Eu o vi entrar pela porta da
cozinha. Estava na sala lendo um romance besta que já deveria ter largado há tempos. Mas esse mesmo começou a não me ver
deixar o tempo passar. Ele entrou pela porta da cozinha e eu estava distraído
demais para ligar minhas antenas e correr para servir de escudo. Corria meus
olhos pela leitura também para desprender-me do tempo que me sufoca. Sufoca-me
por não ter algum poder mágico que me faça ter as coisas sob meu controle, a
minha vista. Enquanto espero leio... e leio... e faço mais alguma coisa para
preencher tempo. Leio.
Eu o vi entrar pela porta da
cozinha de soslaio, eu o vi, mas estava distraído com o livro que me deixava cada
vez mais esfomeado, uma comédia insuportável, mas conseguia achar alguma graça.
E me dava fome de conhecimento pela sua extensão sobre assuntos policiais, um
livro policial, justamente.
Eu o vi entrar pela porta da
cozinha, de soslaio, eu o vi e não me alertei na hora, se tivesse feito teria
evitado o desastre ou apenas visto os miolos de minha mãe se espalharem pela
cozinha. Tremi ao som do tiro, me banhei em culpa depois da morte, do choro, do
velório. Eu o vi,... entrar pela porta da cozinha e o vi sair do mesmo jeito,
de soslaio porque não gosto de olhar em sua cara dura. O livro trágico que
levei até o fim, até meu telefone tocar e dar fim da historia sem graça de
terror envolvente. Eu o vi entrar, sair e deitar. Agora estou aqui e o telefone
ainda não tocou, o livro ta largado e eu não sei mais o que fazer a não sei imaginar
desastres e chuva forte em meio de sol quente, quando o que mais quero é tempo
ameno, lugar escondido comigo e eu mesmo. Pelo menos chegou a tarde.. não quero
pegar no livro de novo, um romance barato e repetitivo que pouco me faz pensar,
apenas escapar das horas que me comem esperando um sinal.
Queria mesmo estar sozinho,
abomino as vozes que vêem até a mim. Quero mais é silencio e natureza. Não
quero ninguém que não seja eu e eu mesmo. Deixe me sonhar juntar a realidade
com a minha cabeça, até que eu possa fugir por completo e não sinta as horas
que me torturam. Deixa juntar o inferno ao paraíso, os segredos e as revelações,
as certezas e as dúvidas. Estou a um palmo de um colapso ansioso. A quem dei o
direito de tal infortúnio?
Ouvir musica sobre o sol
quando parece só chover ignorando o tempo através da janela. Sol.
Minha mente é um túnel, estou
protegido em minha própria zona de perigo.